PANACÉIA DELIRANTE

domingo, 28 de fevereiro de 2010

A questão social

Eu nada entendo da questão social.
Eu faço parte dela, simplesmente...
E sei apenas do meu próprio mal,
Que não é bem o mal de toda gente,

Nem é deste Planeta... Por sinal
Que o mundo se lhe mostra indiferente!
E o meu Anjo da Guarda, ele somente,
É quem lê os meus versos afinal...

E enquanto o mundo em torno se esbarronda,
Vivo regendo estranhas contradanças
No meu vago País de Trebizonda...

Entre os Loucos, os Mortos e as Crianças,
É lá que eu canto, numa eterna ronda,
Nossos comuns desejos e esperanças!


Mário Quintana

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Hipótese

"– A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais [...] A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia.Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre. – E depois que morre?, perguntou o Visconde. – Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?"

Monteiro Lobato, In Memórias da Emília

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Caminhada

Saber ir...

Mas também,

Saber se deixar levar...

Difícil para mim, virginiana, pragmática, cartesiana, não planejar, não agir (nem a favor, nem contra), desligar o motor e ficar à deriva: Por quanto tempo? Até onde?

O acaso vem me fazer visitas frequentes, tento recebê-lo bem. Mas temo-o, e nunca sei quantas colheres de açúcar botar no café.

Fazer a análise dos fatos, o planejamento das ações e o balanço dos resultados já é algo tão natural, que não fazê-los exige uma certa dose de esforço e auto-controle.

Ligo o som do rádio para ver se ajuda...


"Saber ir...

Mas também,

Saber se deixar levar..."

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O despudorado

Depois de muito namorar o colchão, levantei. Tirei os brincos, a corrente, todos os desejos e pus na gaveta. Entrei no banho. Teria saído nua do banheiro, se não houvessem tantas janelas. Coloquei uma roupa leve e fui caminhar na orla.

Quando não existem desejos, só nos resta o usufruto: do sol, do mar, do salitre a salgar os lábios, da música no fone de ouvido... Hoje não queria mais nada! Por precaução, coloco meus óculos escuros; não por causa do sol, e sim para disfarçar a minha cara patética de quem vê beleza em tudo.

No meio do caminho cruzo com um rapaz. Ele, um jovem negro, sem camisa, suado, caminha em minha direção com um sorriso escancarado. Reconheci de cara aquele sorriso, bobo, assim como o meu, de uma inquietante felicidade. Mas, diferente de mim, aquele rapaz exibia os dentes, imoralizava a tarde com a sua alegria, ostentando-a como uma bandeira. Ele passou, eu ri. Teria ele rido de mim também? Ou será que nem havia me notado?

Voltei da caminhada cansada, até meu sorriso cansou um pouco. Ainda assim dedico esse texto ao moço, à sua nudez, à sua felicidade e principalmente, à falta de pudor com que ele desfilava ambos.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Domingar

Tarde na praia, Jauá. A água do mar refresca o corpo quente. Família, conversa, dengo. Hora do almoço: comida boa, todos à mesa. Livro... brisa... O sol das bancas de revista, me enchem de alegria e preguiça... cochilo. O pensamento viaja, lembrando o passado ou inventando o futuro.

Ócio...

Dia de praia deixa meu apartamento sem nenhum argumento...

Desconfiança





“... E eu, que sempre me julguei feliz, suspeitei:

- É possível ser ainda mais?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Textos por todos os lugares

Durante minha viagem, tive contato com uma grande diversidade de textos. Bons textos! Nos sites, nas paredes, na boca das pessoas; um universo de versos e prosas colorindo minhas férias.

Hoje colocarei um texto que li durante minha visita ao Museu da Língua Portuguesa, estava na praça da língua. Pertence a Nelson Rodrigues, retirado de: Morrer com o ser amado – 1968.


"Se o homem soubesse amar não elevaria a voz nunca, jamais discutiria, jamais faria sofrer. Mas ele ainda não aprendeu nada. Dir-se-ia que cada amor é o primeiro e que os amorosos dos nossos dias são tão ingênuos, inexperientes, ineptos, como Adão e Eva. Ninguém, absolutamente, sabe amar. D. Juan havia de ser tão cândido como um namoradinho de subúrbio. Amigos, o amor é um eterno recomeçar. Cada novo amor é como se fosse o primeiro e o último. E é por isso que o homem há de sofrer sempre até o fim do mundo - porque sempre há de amar errado."

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O retorno

Voltar para Salvador afetou especialmente meus ouvidos. Explico:
1- No sentido anatômico da coisa, pois sempre sofro de dores de ouvido depois da aterrissagem do avião
2- Em termos de identidade, já que fora do estado meu sotaque “gritava” aos meus ouvidos. Chegar e encontrar a minha fala em milhões de pessoas é reconfortante. A linguagem faz agente se sentir em casa
3- Outra vez no sentido anatômico – pensando que tantas horas atrás de um trio elétrico só pode ser nocivo aos pobres ouvidos, que tão felizes estão de voltar pra casa.
Mas hoje é quarta-feira de cinzas e não é apenas o ouvido que está reclamando...

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Brasa 1

Sempre gostei do fogo (e quem não gosta?). Lembro de mim, criança, junto à fogueira jogando objetos à chama, para ver o milagre. Ou naqueles dias em que espiava a chama do fogão, espantada: o fogo era azul.
Entretanto entre nós sempre houve a barreira do medo, ou da responsabilidade – chame como quiser... De maneira que a primeira vez que vi uma pessoa apagar a chama de uma vela com os dedos, me assustei:
- Será possível?
Mais tarde encontrei outras, capazes de ousadias piores, gente que passava no corpo, cuspia e engolia, brincava com fogo e não fazia xixi na cama. Ainda hoje, frente ao fogo, permaneço tímida, chego perto, mas paraliso. E estranhamente, sinto, que me queimo mais pela distancia, que pela presença da chama.

Brasa 1

Sempre gostei do fogo (e quem não gosta?). Lembro de mim, criança, junto à fogueira jogando objetos à chama, para ver o milagre. Ou naqueles dias em que espiava a chama do fogão, espantada: o fogo era azul.
Entretanto entre nós sempre houve a barreira do medo, ou da responsabilidade – chame como quiser... De maneira que a primeira vez que vi uma pessoa apagar a chama de uma vela com os dedos, me assustei:
- Será possível?
Mais tarde encontrei outras, capazes de ousadias piores, gente que passava no corpo, cuspia e engolia, brincava com fogo e não fazia xixi na cama. Ainda hoje, frente ao fogo, permaneço tímida, chego perto, mas paraliso. E estranhamente, sinto, que me queimo mais pela distancia, que pela presença da chama.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O mar me disse:

Deixa que vem... Deixa que passa... A maré sempre volta, ainda que sejam outras, as águas...

Para Lara...


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Notícias da terra de cá

(Não revisei antes de postar: passível de erros)

O curso:

O curso ocorre todas as manhãs, incluindo sábado e domingo. Fazemos apenas exercícios de voz (com uma exceção), o trabalho é bastante minucioso e exige bastante paciência e autocontrole. Como costumamos ficar muito tempo parados, procurando uma qualidade vocal, entramos quase num estado de meditação. Bom para a minha ansiedade.
As aulas têm revelado como a minha parte vocal é frágil (mais do que supunha), embora os avanços sejam rápidos (também, quatro horas de trabalho diárias!). Lucas, o professor, nos submete a uma longa seqüência de exercícios, da qual estou tomando parte. Ele é bastante atencioso e o fato da turma ser pequena, ajuda bastante. Ele é boliviano, mas a língua não é uma barreira.

As peças:

Como já foi dito, aqui está acontecendo um Festival de Teatro, o Feverestival. Tenho visto peças todos os dias. A melhor, por enquanto, foi a colombiana Te Duele, do grupo colombiano Teatro de los Andes. Assisti ainda:
• Concerto de espinho e Fulô
• El dorado
• Circo Funâmbulo

As pessoas:

Além dos cursos do Lume, ainda estão acontecendo oficinas num lugar chamado Barracão. A cidade está repleta de pessoas de todas as partes do Brasil, todas dispostas a interagir, discutir teatro e fazer bagunça nos bares da cidade.


Eu:

Tenho andado... E já me basta: não ficar parada. Mas não ter pressa, é mais difícil. Mas vou indo, indo bem, tranqüila até, conforme o possível. Ora pra trás, ora pra frente. Não é assim com toda a gente?

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Interior...

Barão Geraldo é uma cidadezinha da região metropolitana de Campinas. As pessoas têm um sotaque gostoso, puxado para o mineiro e são bastante educadas. Por causa da Unicamp, a cidade é repleta de jovens, existem muitas pessoas bonitas (muitas mesmo), as ruas são limpas e bem conservadas.

Tenho feito boas caminhadas, já que a cidade é pequena e a tarifa de ônibus, salgada. Nosso quarto fica no térreo, ao fundo da pousada, próximo a um jardim. Neste exato momento, as portas e janelas estão abertas por causa do calor. Encosto-me à porta e, sentada ao chão, leio um livro.

Há noite, eu e Camila ouvimos música e conversamos – estou tentando manter a televisão desligada. Escrevo no meu blog. Hoje foi o primeiro de oficina e à noite está acontecendo um festival de Teatro, o Feverestival. Mais tarde entro em detalhes, vou voltar para meu livro...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Primeiro dia

Primeiro dia:

O aeroporto:

Duas e pouco da manhã, entro na sala de embarque. Ainda na fila para passar pelo detector de metais, observo o mural de azulejos que estava ao meu lado: uma coletânea de elementos da Capital, a Igreja do Senhor do Bonfím, baianas do acarajé, capoeiristas, frutas e... no meio de tudo aquilo, o rosto de Luis Eduardo Guimarães, desconecto, boiando no painel, estragando o desenho. Meu mau humor começou ali...

O avião:

Era um desses aviões de três acentos em cada lado. Havia pedido para ficar na janela, mas quando encontrei meu acento, ele estava ocupado por um adolescente. Ao seu lado, sua mãe, tia e ainda uma criança de colo. Cedi o lugar – não porque não queria separar a família, mas sim porque pensei na possibilidade de querer ir ao banheiro, ou falar com a aeromoça. Sentei perto do corredor. A criança de colo fazia barulho e sua mãe tentava controlá-la. Fiquei ainda mais mau-humorada, pensei em como crianças conseguem constranger seus pais e em certo momento cheguei a “achar Herodes natural”.

A senhora ao meu lado estava acompanhado do filho, acho que era a primeira vez que andava de avião. Em determinado momento tentou puxar assunto comigo, mas fingi que não havia escutado. Não estava com disposição para ser simpática.

Na hora prevista o avião decolou. Não há como ficar de cara feia quando se percebe que efetivamente uma maquina tão grande consegue voar (é sempre assim). Observei as “luzes da cidade”, fiz palavras cruzadas e cochilei...

Campinas (quer dizer, Barão Geraldo):

Quando coloquei meus pés no aeroporto, já estava mais alegre, mesmo com o frio que fazia. Terminei minhas palavras cruzadas e fui para a pousada. Dormi maravilhosamente.
Meio dia, Camila chegou. Tomamos banho e fomos almoçar. A fim de fazer a digestão, andamos pela cidade. Barão Geraldo é pequena, muitas casas e pracinhas. Encontramos um sebo. Depois de muito flertar com as prateleiras, comprei três livros:
• O anatomista
• Albert Einstein / Mileva Maríc – Cartas de amor
• Literatura comentada – Caetano Veloso
Agora, com a concorrência, vai ficar ainda mais difícil terminar de ler “Fazenda Modelo”.

O Lume:

A recepcionista da pousada errou o nome da rua, por isso passamos do ponto de ônibus e nos perdemos. Depois de uma longa caminhada, encontramos a casa com ares de chácara e paredes coloridas. Na sala, um tapete do mapa Mundi mostrando todos os lugares por onde o Lume já havia passado. Participamos de uma mesa redonda sobre o processo de criação do espetáculo comemorativo dos 25 anos do grupo: Os sonhos de Ícaro.
As falas dos atores, produtores e parceiros mexeu com minha cabeça. Em pouco tempo mal conseguia escutar o que estava sendo dito, pensava nos projetos pessoais, nas decisões a ser tomada... af!
Voltamos para a pousada quase vinte e uma horas da noite. Amanhã começa a oficina...
Fecho o diário.