PANACÉIA DELIRANTE

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O despudorado

Depois de muito namorar o colchão, levantei. Tirei os brincos, a corrente, todos os desejos e pus na gaveta. Entrei no banho. Teria saído nua do banheiro, se não houvessem tantas janelas. Coloquei uma roupa leve e fui caminhar na orla.

Quando não existem desejos, só nos resta o usufruto: do sol, do mar, do salitre a salgar os lábios, da música no fone de ouvido... Hoje não queria mais nada! Por precaução, coloco meus óculos escuros; não por causa do sol, e sim para disfarçar a minha cara patética de quem vê beleza em tudo.

No meio do caminho cruzo com um rapaz. Ele, um jovem negro, sem camisa, suado, caminha em minha direção com um sorriso escancarado. Reconheci de cara aquele sorriso, bobo, assim como o meu, de uma inquietante felicidade. Mas, diferente de mim, aquele rapaz exibia os dentes, imoralizava a tarde com a sua alegria, ostentando-a como uma bandeira. Ele passou, eu ri. Teria ele rido de mim também? Ou será que nem havia me notado?

Voltei da caminhada cansada, até meu sorriso cansou um pouco. Ainda assim dedico esse texto ao moço, à sua nudez, à sua felicidade e principalmente, à falta de pudor com que ele desfilava ambos.

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