PANACÉIA DELIRANTE

sábado, 26 de junho de 2010

Alumbramento

Seus olhos espelhados refletiam a noite fria
No centro, uma figura destacada na negritude da retina
Brilhava... brilhava e ofuscava a festa

Não era eu

Eu, coitada, era apenas uma presença
Desatenta e impaciente,
O olhar é que tudo preenchia
Pelos seus olhos me via
E não me reconhecia
Seria mentira minha?
Mas...nem um tanto, me esforçava
Para compor a visão, que ali se desenhou
O olhar me distorcia
Reduziu-me à esboço
De algo maior
Melhor
Que só nos olhos, existia

Aqueles olhos aqueciam a imagem
Mais que as fagulhas do São João

terça-feira, 22 de junho de 2010

Déjà vu


Ver no futuro um lance passado...
E reconhecer no já vivido, o ensaio
De um plano maior, imaginado
Num rascunho, esquecido num canto qualquer
A espera azeda o vinho
Tudo contra o contrato
O mudo berra, indignado
A cega espia o vizinho
O sol a pino esfria o prato
O polígamo está sozinho
Não é um jogo de incoerências
É o futuro, me apanhando pelas costas
Sou eu, andando de trás para frente...
Sem pensar nas (in) conseqüências

sábado, 19 de junho de 2010

Sérgio Sampaio - Bloco Na Rua



Composição: Sergio Moraes Sampaio

Há quem diga que eu dormi de touca
Que eu perdi a boca, que eu fugi da briga
Que eu caí do galho e que não vi saída
Que eu morri de medo quando o pau quebrou

Há quem diga que eu não sei de nada
Que eu não sou de nada e não peço desculpas
Que eu não tenho culpa, mas que eu dei bobeira
E que Durango Kid quase me pegou

Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Gingar, pra dar e vender


Eu, por mim, queria isso e aquilo
Um quilo mais daquilo, um grilo menos disso
É disso que eu preciso ou não é nada disso
Eu quero é todo mundo nesse carnaval...

Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Gingar, pra dar e vender

terça-feira, 15 de junho de 2010

Bráulio

Meu tio se chama Bráulio. Antes que continue a história, peço aos leitores, respeito ao parente e consideração ao nome que ele não escolheu. Pois bem.

Aconteceu que meu tio tinha uma amiga (chamarei de Lívia), que certo dia resolveu lhe fazer um telefonema.

Einstein afirmou que “Deus não joga dados com o universo”, logo, acontecimentos, como esse que irei contar, devem ser cuidadosamente planejados por uma equipe celestial especializada em fazer jogos de nossa humilde vidinha.

Lídia pegou o telefone e pediu para falar com Bráulio:
- Pois não?
- Aqui é Lidia, tudo bom? Blá blá blá, caixinha de fósforo.
- Que Lídia?
- Como, que Lídia?
- Não conheço nenhuma Lídia. Você ligou errado.
- Mas... Você não é Bráulio?
- Sim, mas sou o Bráulio errado. (Ok, nesse momento a narrativa poderia adquirir um duplo sentido, mas esse é um texto sério. Voltemos.)
- Que coincidência.
- Você pode até achar que sou maluco, mas me diga uma coisa: Quais as chances de você ligar para um Bráulio e outro atender? Não seria alguma armadilha do destino, para nos apresentar?
- Você acha?

Para encurtar o caso, o casalzinho marcou de se conhecer e começou um romance. Em que pé anda, eu não sei. O que gosto dessa história (que acredite, é real!) é que ela mostra claramente que, enquanto tentamos levar nossa vida com tanta seriedade, planejando os acontecimentos, nos perguntando o “por que” das coisas; o acaso faz piada com a nossa cara. Por isso que adoro surpresas, idéias loucas, atos estúpidos, bobagens. No fundo, a pessoa que te tira da rotina e lhe leva para a praia no meio do expediente é que pode salvar o seu dia, talvez a semana.

Sim, eu jogo dados com o universo. Aprendi com Vinicius de Moraes:


“A vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida”...

sábado, 12 de junho de 2010

Analfabetos do amor - Nelson Rodrigues

1. Amigos, temos uma vastíssima experiência amorosa. A história do coração humano começou, precisamente, em Adão e Eva. Era o primeiro casal de terra e com uma vantagem considerável: - Não tinha parentes, não tinha vizinhos, não tinha fornecedores. Alguém poderia objetar (talvez com razão) que a serpente fazia as vezes de sogra, de cunhada, de amiga etc.

2. Mas o que eu queria dizer é o óbvio ululante, ou seja: - Com Adão e Eva houve o primeiro flerte, o primeiro namoro, o primeiro casamento. Eu ia acrescentar - e a primeira infidelidade. Mas trair com quem? Quero crer que Eva foi, talvez contrafeita, uma mulher rigorosamente fiel. Eu imagino o que teria sido, num confortável paraíso, a noite de núpcias do primeiro casal.

3. Pois bem. Isso ocorreu há muito tempo. Eu vos digo: essa experiência amorosa, que vem através dos milênios, não nos adianta de nada, nem nos abriu os olhos. O homem, que sabe de tudo, nada sabe de amor. Eu diria, se me permitem, que em amor o homem é tão analfabeto como um pássaro. Ou melhor: o pássaro tem, a seu favor, a vantagem do instinto puro, livre e clarividente. Ao passo que cada um de nós carrega, nas costas, não sei quantos preconceitos, não sei quantos equívocos. Eis a verdade: Falta-nos a espontaneidade de uma cambaxirra. E vou mais longe - o nosso amor é triste.

4. Olhem em torno. Vejam os namorados que conhecemos. Eles amam sem alegria, sim, todo o mundo ama sem alegria. Essa tristeza, inerente ao sentimento amoroso, decorre de que não sabemos amar. O homem mais sensível e lúcido é, diante do ser amado, um incerto ou, pior do que isso, um inepto. Ele não sabe o que dizer, o que fazer, o que pensar. O que nós chamamos "romance" é a soma de erros, de equívocos engraçadíssimos. Vejam: - não encontramos palavra justa, exata, perfeita; não nos ocorre o galanteio que o ser amado desejaria escutar.

5. E, no entanto, a partir de Adão e Eva, o homem já teve bastante tempo para aprender como gostar, como amar. O amor exige, entre dois seres, uma linguagem própria, um idioma específico. Mas não usamos essa linguagem ou parecemos não entender esse idioma. As pessoas que menos entendem - como se falassem línguas diferentes - são as que se amam. Dir-se-ia que o amor, em vez de unir, separa. Cabe então a pergunta - por quê? É simples. Porque amamos errado, porque não sabemos amar.

6. A rigor, o momento mais doce do amor é o flerte. O flerte não dilacera, não envenena. Um simples olhar, de uma luz mais viva; um sorriso leve é quanto basta para que dois seres experimentem a esperança de uma comunhão docemente infinita. Mas o flerte - eu prefiro o flerte à paquera - o flerte é, normalmente, uma promessa que não se cumpre. Pois, em seguida, o namoro abre uma fase de perspectivas inquietantes. Fala-se em 'briga de namorados', tão comum e, eu diria mesmo, obrigatória. Mas não são os pequeninos atritos que marcam e vão, pouco a pouco, ferindo e destruindo o sentimento amoroso.

7. Se o homem soubesse amar não elevaria a voz nunca, jamais discutiria, jamais faria sofrer. Mas ele ainda não aprendeu nada. Dir-se-ia que cada amor é o primeiro e que os amorosos dos nossos dias são tão ingênuos, inexperientes, ineptos, como Adão e Eva. Ninguém, absolutamente, sabe amar. D. Juan havia de ser tão cândido como um namoradinho de subúrbio. Amigos, o amor é um eterno recomeçar. Cada novo amor é como se fosse o primeiro e o último. E é por isso que o homem há de sofrer sempre até o fim do mundo - porque sempre há de amar errado.

Palavra


Palavra

Tudo foi dito.
O que não foi dito está omitido ou o-mintindo?
Palavras imaginárias não produzem construções futuras.
Habitam a imaginação, a suposição, o se. Não? Palavras que caem nos sonhos e molham os travesseiros. De quê? Desejo, culpa, medo, dúvida...

A palavra dita (ou ouvida) paira sobre a atmosfera. Voa em direção ao oceano (longe, longe) ou vira anel de saturno (planeta aprisionado por círculos de gelo).

A palavra não dita bate no céu da boca e desce amarga pela garganta.

Fluxo e refluxo, trânsito de pensar.

Pensar e dizer, pensar e calar, mal falar, desdizer, repensar, reafirmar, arrepender. Palavras impregnam e constroem caminhos internos.

 Pá-lavra.
  

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Medita - ação.

Eu resolvi escrever sobre a missa de sétimo dia de minha tia ontem e nem contei sobre uma coisa sensacional que me aconteceu pela manhã.

Antes dos ensaios de As quatro meninas, todas as atrizes fazem alguns exercícios de Yoga. O movimento demonstrado na foto (desculpem, não achei foto melhor) acima sempre me pareceu sobre humano, desde 2008, quando realizei meus primeiros exercícios. Mas como um dos objetivos é a busca , além do resultado, tentava. Sem um pingo de fé, mas tentava. E ontem, por um milagre da natureza, como se fosse possível, eu fiquei algumas frações de segundo na posição. Não pude me conter.

Aquela pequena experiência se abriu para num momento de reflexão: a concentração de meu esforço, ainda que sem fé, havia alcançado resultados. Até então, nunca havia atentado à possibilidade de uma conquista quando não existe esperança. Por isso, sempre que percebia em mim o fim da crença em algo ou alguém, na possibilidade de dar certo, fugia, partia para outra. Para quê semear no deserto?

Mas ontem, me nasceu uma flor do Saara e não sei o que fazer com ela...


Para Ana Paula, que achou (?) que eu conseguiria.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Um mês...

Hoje foi a missa de um mês de morte de minha tia. Por sorte, a missa foi exatamente entre um ensaio e outro, de forma que pude estar presente. Minha tia morreu justamente no dia da estréia de Atire a Primeira Pedra - não pode ir ao velório, ao enterro, nada. Acho que ainda não superei isso.
Foi a primeira vez que tinha ido a uma missa desse tipo. Para quem nunca foi, trata-se de uma missa comum, o padre não cita a perda do parente, não apresenta palavras de consolo. Apenas faz a pregação (que foi muito bonita), diz o nome dos finados e realiza a comunhão.
Fiquei pensando qual o propósito de tudo aquilo. Se para os católicos, a alma se despede de qualquer contato terreno, qualquer lembrança, para que servem as missas póstumas? Para celebrar o luto?
Eu chorei do começo ao fim, chorei muito. Lembrei a última vez que havia visto uma missa,tinha sido com minha avó (que já morreu também)... Chorei pelas duas. Chorei pelo meu avô, por minha avó, minha tia, rasguei todas as feridas.
Fui para meu ensaio triste, o rosto inchado. O dia seguiu, a trânsito engarrafou, choveu ao cair da noite... Mas minha tia não viu.
Isso a missa não mudou.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Casmurra

Estou me tornando uma pessoa rabugenta. Seria a velhice chegando precocemente? Se chego num lugar aberto e começa a chuviscar:
- Quero ir embora.
A conversa ficou um pouco monótona?
- Quero ir embora.
As pessoas atrasaram?
- Adeus!
Com uma crescente facilidade, vai me dando uma saudade da minha casa, do meu quarto, da minha cama, do meu livro. Vou demarcando fronteiras, desenhando círculos cada vez menores. De repente, lá estou eu – em posição fetal sobre a cama.
O cachorro arranha a porta... Ignoro.
Apenas eu, no aconchego da minha solidão. Eu e os bares, os outros, a chuva, o atraso, a dúvida. A dúvida?
Tudo aquilo que deveria estar fora do meu quarto, levo comigo. Fantasio diálogos que nunca existirão, logo, já não estou mais no meu quarto. Não estou.
Certas coisas, não me deixam sozinha...


“Minha solidão não tem nada a ver com a presença ou ausência de pessoas… Detesto quem me rouba a solidão, sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia…”
Friedrich Nietzsche

terça-feira, 1 de junho de 2010

Dora Maar II


A moça que observa, reflete e tem um olho voltado pro mundo e outro que é só para si...

(Des) Construindo Dora Maar


A criação de um personagem é muitas vezes um trabalho de bricolagem (união de vários elementos para formação de um único e individualizado). O ator recolhe ali e acolá diversos elementos, com os quais faz uma:
·         Composição
·         Justaposição
·         Contraposição
·         Sobreposição
·         Interposição
·         O que vier...

A moça retratada na figura acima chama-se Dora Maar e foi uma das mulheres e musas de Picasso. Os seus retratos, sua vida e profissão servirão de inspiração na construção de minha personagem. Esse personagem, ainda em processo de gestação, já possui perfil:
·         Elemento Terra
·         Analítica
·         Sua forma geométrica é o quadrado
·         Acredita no amor livre, desapegado

Imagens, poemas, filmes, retratos, canções, pessoas vivas, mortas, inventadas... Os elementos que surgem dentro e fora dos ensaios, para confundir e para esclarecer (ou para confundir com o intuito de esclarecer). Esse redemoinho é característico de começo de processo, e não é incomum eu me sentir tonta.
E como num desenho cubista, reconfiguro a mim mesma, para construir a outra.
Picasso, ao pintar um quadro, partia de um desenho realista, que ia estilizando. Sigo o mesmo caminho: corto, acrescento, observo.  E ali estará aquele corpo, aquela voz: uma síntese construída quase ao acaso. Trabalho cumprido?
Esse quadro nunca recebe assinatura...