PANACÉIA DELIRANTE

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Colecionadores


Se eu conhecesse um velho mais ou menos sábio, ele me diria que somos todos colecionadores de feridas.  Falaria docemente que viver deixa sua marca e algumas cicatrizes são irremediáveis. Me explicaria que é normal sentir saudade do que não está mais lá e que até mesmo sentir a falta de si próprio acontece nas melhores famílias. Esse velho inventado me diria que essas feridas são os nossos prêmios mais preciosos, é o que nos faz mudar de direção. As crianças possuem poucas feridas, o que é bom. Mas é triste. Os adulto possuem muitas feridas, o que é triste. Mas é bom.

Esse velho teria que ser sábio, mas não o suficiente para achar que isso é obvio demais para ser dito...

domingo, 15 de julho de 2012

Epifania


A epifania se esconde nas pequenas coisas
Hoje mesmo,
Esta tentando recuperar o sono perdido quando começou:
Um apito.
Deve ser mensagem de celular. Voltei a dormir
Outro apito
Mensagem de novo?
Apito
Levando, desligo o celular
Apito
Vou na cozinha. Será o microondas? Desligo
Piiii....
Será o relógio do fogão? Desligo
Apito
Será o vizinho? O rádio? A TV?A impressora?
Apito
Será coisa da minha cabeça?
Uma hora e meia de apitos consecutivos e você já considera fugir de casa. Já planeja para onde ir (e nunca mais voltar). Não importa se ainda está pijamas: não há muito tempo antes da perda total da sanidade
Apito
A faca de carnes nunca pareceu tão bonita. Mas você resiste
Apito
Enfim, desisto. Sento na cadeira desolada e escuto: O telefone... avisando que está ficando sem bateria... É aí que começa meu momento de epifania. Olho pra cima e falo diretamente para ele: – Deus, muito obrigada por essa graça matutina! Por não estar vagando na rua de camisola! Por não ter me cortado com a faca da cozinha! Obrigada por esse telefone apitando na manhã de domingo! Ou não

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Análise


Foi então que ele resolveu fazer análise.
Não que ele acreditasse nessas coisas,
Na verdade ele achava que terapia era hobby de pseudo-intelectuais;
Talvez o que ele quisesse mesmo, era uma desculpa
O casamento tinha acabado e ele precisava culpar um novo alguém por seus problemas:
- Desculpe, a terapia não está dando certo.
Aí, quando ele desistisse, poderia dizer para os amigos:
- O analista tentou me pasteurizar... (tinha lido essa declaração de Vinicius de Morais e gostou do uso da palavra: pasteurizar)
Talvez ele estivesse precisando ter alguém pra quem voltar em tempos difíceis:
- Andava meio deprimido, voltei para a terapia...
(A esposa tinha dito que não voltava nunca mais...)
Foi então que ele casou com o analista. Já faz dez anos!
O analista não lhe exige monogamia
Não liga pra dizer que bateu o carro
Não o convida para festas de família
Não discute a relação...
Ele só precisa comparecer uma vez por semana e pagar a consulta.
E melhorou: perdeu peso, está mais tranqüilo, mas contente...
O que ele não sabe, é que o analista anda pensando em lhe dar alta...
Toda relação tem seus autos e baixos...

domingo, 8 de julho de 2012

Domingo, 08 de julho de 2012


Domingo, 08 de julho de 2012

Admito. Sou obrigada a reconhecer, quase que contrariada, o poder da sua presença. É realmente fascinante como se transforma nas lentes (mesmo que não haja lente) o cenário e os estados (mesmo que só seja meu estado) diante de sua aparência. A razão disso, desconheço. E desconfio inclusive que é o mistério que tempera o fenômeno. O não saber qual a graça da sua presença, onde se esconde a beleza que vejo (que não é a beleza notória, efêmera) e reconhecer minha própria transfiguração é de uma fascinante vertigem. Você é vertiginosamente fascinante, diria. Ou pelo menos o é essa prosa inventada a improviso (não essa que está sendo escrita), esse drama de eterno suspense e inúmeras reviravoltas. Já te vi de muitos jeitos, mas não importa quantos, (mesmo quando olho com raiva ou desprezo) sou obrigada a reconhecer o poder da sua presença (o que me traz ao ponto inicial da carta).