PANACÉIA DELIRANTE

quarta-feira, 24 de março de 2010

Ciúmes



Sempre que agente se encontrava, ela me recebia com um largo sorriso, seguido da pergunta:

- Como vai, minha bonequinha?

Isso de ser “sua bonequinha” embora devesse parecer um pouco patético, tinha um gostinho açucarado próprio do afeto com o qual ela me dirigia a palavra. Eu aceitava o adjetivo, então, mesmo questionando se ele era realmente apropriado.

- Vou bem, tia. (Ainda que nem sempre fosse essa a verdade)

Foi no dia em que ela estava se recuperando de uma cirurgia – eu tinha ido visitá-la – que descobri toda a verdade. O telefone tocou, e qual foi a minha surpresa quando ela atendeu, dizendo:

- Como vai, minha bonequinha?

A frase, desta vez, não me pareceu patética. Minha tia colecionava em segredo “sabe-se lá” quantas “bonequinhas”, todas se achando exclusivas, coitadas! O gosto da traição me azedou na boca, olhei para o telefone com cara de espanto, mas não obtive nenhuma resposta, nenhuma explicação.

Acho que foi nesse dia que compreendi a possibilidade de se destinar o mesmo tipo de afeto à pessoas diferentes, o mesmo tipo de tratamento e talvez até de tempo. Queremos ser únicos: somos ciumentos, espaçosos, egoístas (que bobagem!).

Ainda hoje, quando nos encontramos, ela eventualmente me pergunta da mesma maneira afetuosa com que perguntava nos tempos de criança – e que pergunta a tantas outras, seja por telefone ou pessoalmente:

- Como vai, minha bonequinha?

- Vou bem, tia. (Embora tenha virado uma pergunta retórica).

Nenhum comentário: