PANACÉIA DELIRANTE

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

- Me diga uma coisa que te dá medo


- Me diga uma coisa que te dá medo!

Lançou o professor para Fernando. Ele já era um homem idoso, muito mais velho que o próprio, um senhor numa turma de jovens atores sedentos. Era um curso de cinema.

- Me diga uma coisa da qual você tem medo! 

O começo do exercício dependia da resposta... resposta que não vinha.

- Um medo... Olha, quando um homem chega na minha idade e passa pelo que eu passei, já não tem mais medo de nada...

Sabia muito pouco  sobre a história daquele homem que se apresentava de pé. Sabia que era médico, que se aposentou por invalidez e que decidiu virar ator depois de sessenta. Sabia que tinha feito cursinho e vestibular para teatro, que havia passado e estava quase se formando.

- Você deve ter medo de alguma coisa...
- Não tenho, desculpe.
- Tente pensar em algo. Puxe pela memória... Lembre! 

Ele realmente fazia esforço para lembrar-se de algo. A platéia esperava em silencio, até que...

- Lembrei... – Falava lento, como se explicasse algo extremamente complicado a um grupo de crianças -  Na minha casa tem umas formigas bem pequenininhas que quando beliscam a gente, dói... dói! Eu “me pelo” de medo dessas formiguinhas.

Achei que era uma piada, depois que era uma fuga da situação. Só depois me ocorreu a possibilidade de ter ouvido uma resposta sincera. Seria possível uma vida sem medos? É o bônus da velhice? Perdemos sonhos, amigos, amores, dinheiro para descobrirmos que não precisamos temer – que não adianta? Que só existe uma força realmente destrutiva, organizada, quase indestrutível, contra a qual só nos resta a convivência forçada: 

-As formigas?

Quanto mais eu vivo, menos entendo da vida...

Um comentário:

Milena Lima Ferreira disse...

Uma coisa que me dá medo é acordar todos os dias e saber que lá fora uma vida me espera. Viver, às vezes, me amedronta!