- Me diga uma coisa que te dá medo!
Lançou o professor para Fernando. Ele já era um homem idoso, muito mais velho que o próprio, um senhor numa turma de jovens atores sedentos. Era um curso de cinema.
- Me diga uma coisa da qual você tem medo!
O começo do exercício dependia da resposta... resposta que não vinha.
- Um medo... Olha, quando um homem chega na minha idade e passa pelo que eu passei, já não tem mais medo de nada...
Sabia muito pouco sobre a história daquele homem que se apresentava de pé. Sabia que era médico, que se aposentou por invalidez e que decidiu virar ator depois de sessenta. Sabia que tinha feito cursinho e vestibular para teatro, que havia passado e estava quase se formando.
- Você deve ter medo de alguma coisa...
- Não tenho, desculpe.
- Tente pensar em algo. Puxe pela memória... Lembre!
Ele realmente fazia esforço para lembrar-se de algo. A platéia esperava em silencio, até que...
- Lembrei... – Falava lento, como se explicasse algo extremamente complicado a um grupo de crianças - Na minha casa tem umas formigas bem pequenininhas que quando beliscam a gente, dói... dói! Eu “me pelo” de medo dessas formiguinhas.
Achei que era uma piada, depois que era uma fuga da situação. Só depois me ocorreu a possibilidade de ter ouvido uma resposta sincera. Seria possível uma vida sem medos? É o bônus da velhice? Perdemos sonhos, amigos, amores, dinheiro para descobrirmos que não precisamos temer – que não adianta? Que só existe uma força realmente destrutiva, organizada, quase indestrutível, contra a qual só nos resta a convivência forçada:
-As formigas?
Quanto mais eu vivo, menos entendo da vida...