PANACÉIA DELIRANTE

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Nudez




Ela tinha um defeito. Poderia ser alta demais, magra demais, ser gorda. Poderia ter uma perna mais curta que outra, mas não era nada disso. Tinha um defeito totalmente disfarçável, como se fossem sardas.  Poderia esconder com maquiagem, poderia usar um sutiã com enchimento... Em suma, era um tipo de defeito que, se a gente não corrige, pelo menos esconde.
Mas ela o mostrou para uma multidão de anônimos enquanto se apresentava. E era de um despudor tão grande perante aquela falha que, até mesmo eu que já a conhecia, precisei que me apresentassem de novo, pois era preciso refazer a sua figura em minha mente.
Tão logo ela terminou de expor aquele defeito (sem a menor necessidade), explicou para os presentes a razão do feito, com uma lógica e a naturalidade tão grandes que parecia nos insultar:
- Estou mostrando para não ter que esconder.
 Essa história já deve ter uns cinco anos. Ainda assim a cena insiste em reprisar nas minhas lembranças para que me sirva de exemplo. Eu sempre gostei de engolir os meus defeitos como quem engole o choro. Eu nunca fui muito boa em engolir o choro, mas me treinei para dissimular a raiva, o ciúme, a inveja e o tédio.  Sempre gostei de portas fechadas e de tirar a máscara para tomar banho.
- Estou mostrando para não ter que esconder.
A frase fica se repetindo como se quisesse ser verdadeiramente escutada. Eu tento atender seu pedido, mas leva tempo. Tenho aprendido recentemente que algumas coisas precisam de tempo para serem ouvidas, vistas, entendidas. E eu vou escutando aos poucos...

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